"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! "

Eça de Queiroz - O primo Basílio

quarta-feira, 10 de março de 2010



Eu tinha pavor ao silêncio. Não posso negar que algo parecido com a aflição tomava-me a mente, e o meu corpo burro, respondia aos seus apelos...
Quando a noite chegava, subia-me o frio na espinha. Era a hora dele. Havia cumplicidade na tarde que caia, dando espaço para o oportunista entrar...
Na penumbra, nem era notado... De repente lá estava ele, instalado de “ mala e cuia”. Trazia de tudo e parecia que ia ficar por uma eternidade.
Eu corria, assustada para ligar a TV, acender as luzes! Mas era tarde! Jazia dentro de mim a coragem!
Sentada no sofá, meus olhos esforçavam-se para fixar-se na imagem da TV, meus ouvidos atentos, buscavam o som, o alento nas histórias simples dos folhetins, mas algo em mim gritava, tirando-me a atenção.
Ele estava em mim... O silêncio! Pshiii! Como fazia barulho, o intruso! Trazia-me tudo ao mesmo tempo, lembranças, medos, palavras que eu não disse, as dores que eu causei, as dores que eu senti, as minhas briguinhas internas, picuinhas que o tempo apenas bloqueia. Tudo! De uma só vez ! Sem piedade!
Não demorei a perceber o seu entrosamento com a Solidão, "a senhora da noite", era ela chegando e ele aparecendo, do nada! Viviam de namoro os malvados. Riam de mim, caçoavam!
Um dia, resolvi passar a perna neles. Disse para mim mesma: - Hoje nesta casa a solidão não entra! - Não é que funcionou!!! A noite chegou, abri a porta, mas disse para àquela senhora: - Essa casa é pequena demais para nós três - ela não entrou, e ele simplesmente não veio... Eureca! Eu ria à toa! Eles não me incomodariam mais. Nunca mais o silêncio habitaria em mim... nunca mais!
Mas o tempo não é como tantos dizem, sempre um aliado. Vive em cima do muro, não toma partido e se insinua o danado, descaradamente para suas emoções... e o pior, quando a tola se transforma numa presa fácil ele simplesmente passa... se você não for esperta e não o dominar, ele domina você. Não, não foi o caso! Aliciei o tempo e o tornei aliado, fui madrinha do casório dele, com as minhas emoções que o acompanha até hoje e são apaixonados um pelo outro.
Pois bem, ele o tempo, retribuiu o meu agrado e me trouxe um presente: Um dia distraída, percebi que estava sozinha...De novo. A solidão tinha voltado a me visitar... O silêncio veio junto, timidamente escondido embaixo das suas saias. Restou-me rir da situação...
Eles, não me incomodam mais. Somos amigos. E acho que os amo! Do meu jeito, assim, fingindo que não sei do bem que eles me fazem. Hoje são partes de mim.
E habitam em harmonia com as minhas emoções e com o tempo claro... Sábio e eficaz em suas artimanhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário